terça-feira, 31 de maio de 2011

Beijo do Medo

"Você não terá medo do medo. O pensamento foi posto nessa situação
(You know you're right-Kurt Cobain)
O som das guitarras não me deixavam pensar em nada além de: "Por que você está chorando?". Vaguei por entre as pessoas com lágrimas nos olhos e sentei-me em cima da escada que dava acesso ao palco, coloquei o peso nos meus braços e observei os dedos passarem fácil pelas cordas afinadas das guitarras, a voz era tão boa que pensei em não esquecê-la nunca mais, mas admito que hoje por mais que eu me esforce não consigo me lembrar. Olhei para as pessoas por perto, as mãos levantadas, alguns com o isqueiro aceso acima de suas próprias cabeças, outros com o isqueiro rumo a ponta do tabaco, tinha aqueles que utilizavam do vapor barato injetando em minhas narinas aquele cheiro doce, doce sim, eu nem me incomodei, a situação pedia por aquela mistura de cheiros. O cheiro de bebidas variadas, da fumaça variada, dos corpos variados. Meu coração parecia bater de acordo com a música, com as pessoas se mexendo no ritmo, com os sorrisos escapulidos das faces desconhecidas. A música parou e voltei a me sentir vazia, as lágrimas ameaçaram de novo, mas antes que pudessem ser concretizadas uma nova música começou e desta vez nada de isqueiro, os pés que antes se fixavam ao chão começaram a encontrar o ar, as cabeças balançando sem parar, uma euforia quase capaz de libertar foi tomando conta de todo o lugar e um sorriso ameaçou em meus lábios salgados. Dentre a multidão e a fumaça vi você aparecendo lentamente, passava pelas pessoas sem ao menos tocá-las, um sorriso perigoso na face e então parou em minha frente. Algumas pessoas impediram o encontro do nosso olhar quando passaram entre a gente para subir ao palco e de lá se jogarem nos braços dos que esperavam embaixo. O vi aproximar-se de mim.
_Você tardou muito nesta noite.
_Esperava que você parasse de chorar._ Ele explicou com voz rouca
_E eu esperava tua chegada para que eu parasse_ Expliquei.
_E por que me esperou se eu estava aqui o tempo inteiro?
_Não te senti antes, e mesmo agora custo a sentir_ constatei. Enquanto ele sorria incrédulo até o silêncio nos tomar.
     Levantei-me e acabei com o espaço vazio entre nós, meus lábios quase tocando os dele.
_ E agora vai beijar a mim sem perguntar meu nome?_ reprovou-me
_É que juro que te conheço de outros e outros e vários outros dias._ Disse
_Sim. E de todas as vezes que venho a ti você chora, se esconde!_ 
_Não! Quando você vem é que eu paro de chorar!_ Disse em desespero encostando nossos lábios.
_ Você sempre se engana, me parece uma criança perdida em certos dias._ Sussurrou em meu ouvido.
_ Eu não me engano, te espero sempre e te quero muito, te imagino, mas você não me deixa te ter._ Sussurrei de volta.
_Então diga meu nome._ Desafiou. E eu antes de dizer encostei com força nossos lábios até ficar sem fôlego.
_Acha que não sei, mas eu já disse, custo muito a te sentir hoje o que não significa que não sinto. Não é mesmo Coragem?_ A certeza desafiadora em meu olhar.
_ Não vou sorrir de você porque seria Covardia, embora tenho esta como minha irmã quero deixá-la fora disso. Minha doce menina, cuidado com teus enganos, a muito tens me sentido e me negado, chora durante a noite esperando pelo Coragem, mas assim vive alimentando a mim._ Ele disse suavemente.
_Não entendo..._ Disse confusa e antes que pudesse dizer algo ele me beijou.
_Meu nome minha cara é Medo.
       Afastei-me grotescamente assustada.
_Hoje vim para que me aceite, me admita, me tenha por inteiro!
_Por que eu te aceitaria?_ Disse em repulsa.
_ Tens me alimentado muito, em algumas noites temos intimidade tal que chego a te despir, te penetrar. E eu deixo sim, mas pela tua ingenuidade de não me saber quem sou...
_Não entendo!
_Escute minha doce menina, aceite-me agora como sou e me chame pelo meu nome que a muito tempo tem adiado chamar. Deve me aceitar para que eu possa ir embora, para que eu não te faça chorar durante a noite e não atrapalhe mais tuas diversões.
_Então me deixará quando eu te aceitar sem engano?_ Perguntei pensativa.
_Em partes. Se me admitir estará me enfrentando, me aceitando e então te deixo, não volto a perturbar tuas noites, não volto a me aproveitar de tuas insônias para te despir. Mas também não posso te deixar, e então você me sentirá, dessa vez certa do que sou me impedindo de aparecer inteiro pra você.
_Ficarei sozinha. Enganei-me então te alimentando de forma tal que custo a me imaginar sem ti.
_Te deixarei para que encontre quem sempre vem buscando em mim e que a pouco me confundiu com tal, que você só pode ter com minha ausência. Te deixarei com alguém chamado Coragem. 
_Como pude me confundir?_ Perguntei incrédula.
_Todas às vezes que vim desta forma em teu encontro foi porque esteve perto de me admitir, e destas vezes Coragem vinha tomar meu lugar. Eu te fazia chorar e quando você quase sabia que era eu, então eu vinha em tua aceitação esperando para minha partida, mas você insistia em me usar confundindo-me, adiando minha partida.
_Te aceito então, te admito, te falo do prazer que alimentei a você naquelas noites em que invadiu meu quarto, e aceito agora que quem andou me satisfazendo, me confundindo foi você. Medo! Aceito-te, admito-te! 
       Segurou em minhas mãos fortemente e me subiu no palco, as pessoas embaixo a esperar por mim, antes que pulássemos sorriu sincero olhando nos meus olhos uma última vez e beijou-me, antes do desencostar dos lábios eu senti uma nova pessoa se formando em minha frente, senti o baque das mãos dele me puxando, um vento frio na barriga e quando caí nos braços das pessoas embaixo com um sorriso enorme na face percebi que finalmente tinha deixado o Medo partir. Ainda hoje o sinto, mas nunca mais ele me fez chorar, nunca mais apareceu em meu quarto ou lugar qualquer para me despir, deixei firmemente de alimentá-lo, deixei de dar espaço e de fazer dele meu doce amante.     

3 comentários:

PauloSilva disse...

Um grande obrigado.

Meu Deus adorei esse trecho:
«Te deixarei para que encontre quem sempre vem buscando em mim e que a pouco me confundiu com tal, que você só pode ter com minha ausência. Te deixarei com alguém chamado Coragem.»

Vamos ganhar coragem e o primeiro passo é não deixar que o medo se instale no nosso peito.

Cíntia' disse...

"Deve me aceitar para que eu possa ir embora, para que eu não te faça chorar durante a noite e não atrapalhe mais tuas diversões."

Adoreei :)

A.S. disse...

Que delicia de texto! Belo, intenso, sensual... Repleto de doces emoções!... Ah!... cada palavra é uma doce a suave caricia escorrendo na pele!


Beijos meus,
AL